EXEMPLO DE ESTEVÃO
EXEMPLO DE ESTEVÃO
As pedras voavam rumo ao corpo cambaleante. Pouco a pouco, as feridas iam aumentando, causando intensa dor e agonia. O sangue molhava o chão árido dos arredores de Jerusalém. Quando a pele já não suportava o embate do apedrejamento, nervos e ossos começaram a ser atingidos pela chuva de pedras provinda da multidão.
O homem cambaleante, alvo de uma das mortes mais dolorosas e angustiantes, era Estevão. Tinha sido sentenciado à morte pelo Sinédrio. A acusação? Bem, os líderes religiosos judeus o acusaram de proferir palavras contra o Templo em Jerusalém e contra a lei (Atos 6:13-15). Estevão ensinava que o Altíssimo não habita em templos feitos pelas mãos de homens e que havia entre aqueles religiosos uma resistência direta ao Espírito Santo (Atos 7:48-51).
Esse tipo de pregação custou a vida de Estevão, tornando-o o primeiro mártir da Igreja. O diácono, homem que servia as mesas dos pobres e das viúvas, cheio do Espirito Santo, não cessava de pregar e viver o Evangelho. Pregar e viver o que Jesus havia pregado e vivido. Sem concessões nem limites. Estevão anunciava que o próprio Criador desejava habitar nos corações humanos e que o Templo seria destruído, pois era uma sombra daquilo que acabava de concretizar-se em Cristo. Estevão pregava o que o Jesus havia pregado. Obviamente, essa pregação feriu interesses e resultou em seu apedrejamento.
O que nos chama a atenção na história de Estevão é que não somente em sua pregação ele foi submisso ao que o Mestre havia ensinado, mas até mesmo nos momentos de dor e agonia extremos que antecederam a sua morte. Pouco antes de "adormecer", Estevão repete duas frases que nos são muitos familiares:
"Senhor Jesus, recebe o meu espírito" e "Senhor, não lhes imputes este pecado". Sim! Até mesmo no momento de sua dolorosa morte, Estevão propôs seguir os passos do amado Senhor. Isso se torna uma lição para nós.
Alguns creem que aquilo que foi vivido por Jesus e Seus apóstolos é impraticável nos dias atuais. Que retornar à vida de Igreja como foi experimentada nos primórdios é algo impraticável hoje. Esse argumento é usado, principalmente, para justificar a enorme quantidade de grupos, organizações, corporações e denominações que existem atualmente como igrejas, assim como um sem-número de práticas que estão a anos-luz da experiência de comunhão na Igreja primitiva. Argumentam, também, que desde o primeiro século já havia movimentos de divisão dentro da Igreja...
Sim. Não se pode negar que desde o início da Igreja houve movimentos para dividi-la, através de facções e contendas. Havia inúmeros erros e desvios, afinal a Igreja é composta de irmãos em processo de aperfeiçoamento em Cristo. A questão, no entanto, não é essa. A questão é que essas práticas contrárias ao Espírito do Evangelho de Cristo foram veementemente combatidas pelos apóstolos.
O gérmen desse espírito de divisão começou, de acordo com os relatos bíblicos, na cidade de Corinto. Paulo já começa a primeira carta aos coríntios repreendendo essas atitudes facciosas. A instrução de Paulo é que todos os irmãos na cidade de Corinto fossem “unidos em um mesmo pensamento e em um mesmo parecer” (I Coríntios 1:10). Isso, obviamente, não seria possível se os grupos que ameaçavam dividir-se realmente o fizessem. As pessoas que estavam gerando toda aquela contenda são tratados como "carnais" por Paulo, os quais estavam andando segundo os homens (I Coríntios 3:3).
Não houve em Paulo nem em nenhum dos apóstolos uma conduta condescendente com essas práticas errôneas. Não houve nenhum comentário dizendo que "É assim mesmo...Ninguém é perfeito... Deus está agindo, então deixa como está... Que cada um crie seu próprio grupo...". Não! Paulo aponta para o erro dos coríntios e pergunta se Cristo está dividido... É óbvio que o Evangelho não pode ser impedido por causa das divisões e dos sectarismos, pois o Evangelho é poder de Deus e age em todo aquele que crê. Ele age diretamente no coração de quem crê. Porém, existe uma vontade boa, perfeita e agradável de Deus para Sua Igreja e para a comunhão entre os irmãos.
Não devemos contentar-nos com menos do que a vontade de Cristo para nós! Afirmar que as divisões, sectarismos e denominacionalismos devem ser compreendidos por causa da tendência humana à contenda e à divisão, é tentar dizer, por exemplo, que não devemos pregar contra a mentira ou a prostituição. Essas práticas, assim como a divisão, contendas e sectarismos, surgem da natureza pecaminosa do homem... No Evangelho não há meias verdades. Contenda, divisão e sectarismo são obras da carne. É pecado. E diante do pecado, só a Graça de Deus para perdoar-nos e aperfeiçoar-nos.
Sim! Não é um sonho ou utopia! É possível! É possível viver a boa, perfeita e agradável vontade de Deus para a Igreja, já que Paulo nos insta a isso. No entanto, é necessário não se conformar com os padrões deste mundo, o qual ensina sempre a dividir e a ser contencioso. É necessário também renovar em Cristo constantemente a nossa mente (Romanos 12:2). A boa, perfeita e agradável vontade de Jesus Cristo para a Igreja é que sejamos perfeitos em unidade. Ele ora ao Pai para que isso seja uma realidade na vida da Igreja:
"Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade. E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim; Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um. Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim" (João 17:17-23)
Não devemos contentar-nos nem acomodar-nos com menos do que isso. Não devemos aceitar nada que possa levantar-se contra essa Vontade de Cristo. O padrão de unidade que Jesus estabelece para nós enquanto Igreja é o mesmo existente naquele momento entre Ele e o Pai. Não menos do que isso. Uma unidade sem denominações, sem decisões diferentes, sem competições nem disputas mercadológicas. Uma unidade em que o elo seja apenas o Espírito Santo e as decisões sejam tomadas pela cabeça, que é Cristo. Perfeitos em unidade. Sinceramente, estamos sendo perfeitos em unidade?
O Senhor Jesus estabelece uma estreita relação entre essa unidade e o conhecimento que o mundo terá de Cristo através dessa unidade da Igreja. Isso tem sido uma característica de nossos tempos, pregar Cristo através de nossa unidade? Há uma gritante diferença entre o impacto da Igreja no século I e a Igreja do século 21... Algo foi se perdendo no caminho...
Ser perfeitos em unidade não significa pertencer a uma mesma instituição, como a Igreja Católica Romana tem propagado. A unidade proposta por Cristo é espiritual. Não é uma unidade forçada por limites, mas expressa no Espírito Santo. É uma unidade que não requer necessariamente ficar sobre o mesmo teto ou no mesmo caminho físico, mas que, mesmo assim, se mantém como unidade (Lucas 9:49-50). Na realidade, a Igreja Romana foi a primeira grande denominação a ser implantada. A partir do momento em que a Igreja em Roma começou a considerar-se superior às demais e a chamar para si a exclusividade eclesiástica e até mesmo vicária (!) em detrimento da Igreja em outros lugares, estabelecendo hierarquias de poder centralizado dentro das ekklesias, começou a institucionalização humana daquilo que não deve nem pode ser institucionalizado.
Não se pode institucionalizar um organismo vivo! A Igreja tem vida em si própria e não pode ser contida numa instituição. Unidade não é uniformidade, mas é um elo espiritual só possível através do Espírito Santo.
Mas, voltemos às pedras... Elas continuavam caindo violentamente sobre Estevão, sem piedade. Eram pedras materiais sendo lançadas sobre uma pedra viva (I Pedro 2:5). Aquelas pedras eram lançadas por aqueles que reverenciavam as pedras mortas do Templo em Jerusalém e resistiam ao Espírito que queria torná-los pedras vivas da Nova Aliança. Pedras mortas sendo jogadas contra uma pedra viva...
Em seus últimos instantes de vida terrena, Estevão, cheio do Espírito Santo, fixa os olhos no céu, vê a glória de Deus, e Jesus, que estava à direita do Pai. Ele diz: "Eis que vejo os céus abertos, e o Filho do homem, que está em pé à mão direita de Deus" (Atos 7:55-56).
No entanto, nada acontece por acaso na Igreja de Cristo. Quando Estevão fecha Seus olhos e parte para encontrar-se com o amado Cristo, o qual encontrava-se em pé, a multidão começou a afastar-se. Dentre essa multidão, um religioso consentia com a morte de Estevão e ainda prestava uma ajuda logística aos que o apedrejavam (Atos 22:20). Pouco tempo depois, esse homem se tornaria o apóstolo dos gentios. Ele não resistiu à voz do Espírito Santo e à Verdade da Nova Aliança. Ele se despiu de todos os seus valores religiosos e institucionais. Ele começa a considerá-los como escória...(Filipenses 3:1-8). Ele compreendeu que o propósito de Cristo é que sejamos perfeitos em unidade e que toda semente ou aparência de divisão ou sectarismo deve ser combatida (I Coríntios capítulos 1 a 3).
Esse é o exemplo de Estevão. Ele seguiu os passos do Mestre até nos momentos finais de sua vida terrena. Ele incorporou visceralmente a sua vida os ensinamentos e desejos de Cristo. Estevão desejou para seus assassinos o perdão de Deus, algo impensável para os padrões da Velha Aliança. Ele havia aprendido com Cristo. Havia absorvido para sua vida as orações do Mestre.
A oração de Cristo para a Igreja é que seus membros sejam PERFEITOS EM UNIDADE. Não podemos fechar os olhos e os ouvidos a essa oração do Senhor. Que o exemplo de Estevão possa falar-nos também e que sejamos fiéis a isso até a morte!